Com a marca do primeiro semestre superada e o segundo semestre do ano já engrenando, nossa economista-chefe, Victoria Werneck, apresenta uma análise da economia nos últimos meses e algumas perspectivas para o segundo semestre de 2023 e para 2024 como um todo.
Em primeiro lugar, vale destacar que a economia mundial hoje atravessa um momento melhor do que no começo do ano. Ou seja, para qualquer governo que mantenha uma boa condução da política econômica, o vento está a favor.
As economias avançadas vêm mantendo uma política de aperto monetário para derrubar a inflação em direção às suas respectivas metas de 2% ao ano. E, nessa empreitada, a maioria dos governos obteve bastante sucesso em reduzir a inflação sem provocar recessões.
No caso norte-americano, a inflação em doze meses chegou a espantosos 9,1%, até junho de 2022, mas fechou em apenas 3% nos últimos doze meses, até junho de 2023. Tudo isso em um ambiente sem recessão e com a manutenção de um mercado de trabalho especialmente robusto, com a taxa de desemprego em níveis historicamente baixos (3,6%, em junho). O PIB norte-americano do segundo trimestre cresceu acima do esperado.
Em fins de julho, o Banco Central dos Estados Unidos elevou a taxa dos Fed Funds (a Selic deles) em 25 pontos base para a faixa entre 5,25% e 5,50%. Para os padrões brasileiros, pode parecer baixo, mas trata-se do valor mais alto em 22 anos.
O Banco Central europeu também obteve sucesso reduzindo a inflação sem um cenário prospectivo de queda dos PIBs dos países da Zona do Euro, na maioria dos casos. A Alemanha ainda luta para registrar um PIB positivo este ano. Por enquanto, a expectativa é de uma pequena queda de 0,2%, mas alguns estudos já apontam pequeno crescimento.

O gráfico acima mostra o sucesso das respectivas políticas monetárias no processo de combate à inflação. Compare o último dado dos 12 meses, até junho, com os resultados do fechamento de 2022 (no quadro superior), especialmente no caso dos Estados Unidos, da Zona do Euro e do próprio Brasil.
Tendo em vista o sucesso do Banco Central norte-americano em derrubar a inflação sem provocar até agora uma recessão, já se fala cada vez mais em um “pouso suave” da economia. Tratando-se da maior economia do mundo, isso é um alívio, especialmente para os países emergentes.
O gráfico abaixo mostra a expectativa atual de crescimento do PIB em 2023 em países selecionados.

Na última coluna, os dados são positivos na maioria dos casos. Como dissemos, por enquanto a projeção para o PIB alemão é ainda de pequena queda. No caso da Rússia, a expectativa é de mais um ano de recessão, por conta da guerra contra a Ucrânia.
De acordo com o FMI, o PIB mundial cresceu 3,5% em 2022 e a projeção de julho para 2023 é de expansão de 3%. Certamente, isso significa pouso mais do que suave em meio ao combate à inflação em muitos países.
Vale observar o grave erro de projeção a respeito da economia brasileira. Em janeiro de 2022, o FMI esperava um pífio crescimento de 0,3%, mas o Brasil cresceu 2,9%. O consenso de mercado pesquisado semanalmente pelo Banco Central também errou feio no começo de 2022.
O cenário externo hoje parece bem menos desafiador do que seis meses, um ano atrás. A questão é como o governo brasileiro vai se aproveitar dessa condição. Vejamos a evolução dos dados mais importantes da economia brasileira. Em primeiro lugar, o comportamento da inflação.

Nos doze meses, até abril de 2022, a inflação bateu 12,13%, enquanto nos doze meses, até junho deste ano, despencou para 3,16%. É um feito para se aplaudir. E o que aconteceu com a taxa de desemprego no período? Permaneceu em trajetória de queda.

A taxa de desemprego, de 8% do trimestre móvel acabado em junho, é a menor para esses trimestres na série histórica. O número de desocupados estimado para junho foi de 8,6 milhões de pessoas, comparado ao pico da série de 15,3 milhões no trimestre janeiro-março de 2021, ainda sob forte efeito da pandemia. Por fim, o rendimento médio habitual do trabalhador foi de R$ 2.750 no trimestre móvel acabado em junho deste ano.
No primeiro trimestre do ano, o PIB continuou crescendo. A expansão sobre o último trimestre de 2022 foi até maior do que o esperado. O PIB vinha crescendo de forma sustentada, mas, em fins de 2019, ainda estava 2,9% abaixo do pico do primeiro trimestre de 2014. No final do primeiro semestre de 2020, o PIB tinha despencado quase 11% comparado a fins de 2019.
O PIB teve uma recuperação bastante sustentada e, no primeiro trimestre de 2023, superou o pico histórico em 3,4%, puxado pelo crescimento espetacular da agropecuária, de 21,6% dessazonalizado. Não custa lembrar que a taxa Selic está em 13,75% ao ano desde o início de agosto de 2022 e, mesmo assim, os dados de atividade permanecem bons.

Tendo em vista todos os dados relacionados à atividade econômica, a mediana do consenso de mercado semanal para o crescimento do PIB pesquisado pelo Banco Central tem mostrado trajetória claramente positiva.
Em fins de 2022, havia uma expectativa de baixo crescimento do PIB, de 0,80% para 2023. O último consenso disponível, de fins de julho, projeta um crescimento do PIB de 2,24%. Na nossa própria projeção para o PIB deste ano, achamos que, mais uma vez, os modelos do consenso de mercado e do FMI estarão errados. Projetamos crescimento de 2,92% com viés de alta.
A tabela abaixo mostra como o consenso de mercado mudou ao longo do tempo. Mais adiante mostraremos nosso próprio cenário de referência, que difere do consenso de mercado em quase todas as variáveis, senão em todas.

A inflação medida pelo IPCA fechou 2022 em 5,79% e, em fins de 2022, a mediana das expectativas de mercado para 2023 mostrava que neste ano cairia um pouco, para 5,31%, apesar da taxa Selic em 13,75% ao ano.
Era óbvio que não havia espaço para o Banco Central começar a relaxar a política monetária no início do governo Lula, nem mesmo alguns meses depois.
Olhando para 2024, que é o horizonte relevante para a política monetária a essa altura, já existe espaço para reduzir gradualmente o aperto monetário, pois o consenso de mercado para o IPCA fechado de 2024 passou de 3,70%, no início deste ano, para 4,18%, em meados de abril, e, em fins de julho, já caiu para 3,89%.
Lembramos que a meta central de inflação em 2024 é de 3%, com 1,5 ponto percentual para cima e para baixo. Isto é, as expectativas semanais para 2024 estiveram sempre abaixo do teto do intervalo de inflação permitido (4,5%), mostrando como o Banco Central conseguiu manter a credibilidade na política monetária apesar de não ter entregado nem o teto da meta em 2021 ou em 2022. Sendo um Banco Central independente por lei, achamos que este ano entregará o IPCA tão perto da meta quanto possível.
A expectativa de inflação pelo IGP-M passou de 4,55%, em fins de 2022, para deflação de 3,27%, na última semana de julho. Um dos fatores foi a queda do preço das commodities em dólar, assim como a valorização significativa da taxa de câmbio real/dólar. Como dissemos, a expectativa de crescimento do PIB mostra clara trajetória de expansão.
E, por último, com o fim do teto de gastos e a “licença” para gastar R$ 200 bilhões extra que o Congresso deu ao novo governo (extraordinários 2% do PIB), não é surpresa que de um superávit primário de 1,28% do PIB, registrado no último ano de Paulo Guedes como Ministro da Fazenda, o consenso agora seja de um déficit de 1% do PIB. Não é muito alto, mas déficits primários não estabilizam a relação dívida/PIB e o Brasil já partiu de um número muito alto para ser um país emergente (quase 73% do PIB, em dezembro de 2022).
O resultado primário se obtém de somar todas as receitas do setor público e retirar todos os gastos, menos os gastos com juros do estoque de dívida pública. Como qualquer empresa ou família, quem tem dívida precisa economizar das receitas ou renda o suficiente para pagar o serviço da dívida.
Como está claro faz tempo, o calcanhar de Aquiles da economia brasileira continua sendo a trajetória das contas fiscais. O fato de que a derrubada do teto de gastos públicos venha a ser substituído por um “novo arcabouço fiscal” é melhor do que nada, mas ainda sim o texto é muito confuso. Com metas fiscais frouxas, na verdade trata-se de uma expansão de gastos – menor, porém, do que poderia ter sido se não houvesse nada no lugar do teto de gastos que, mal ou bem, manteve as contas públicas sob certo controle.
O gráfico abaixo mostra uma mudança significativa para pior nos resultados da política fiscal em poucos meses. Depois de sete anos seguidos de déficits primários, em 2021 e 2022, o setor público consolidado entregou resultados primários positivos. O brutal déficit primário de 2020 explica-se pela necessidade de auxílio emergencial na pandemia, mas isso foi um ponto fora da curva e todos os países foram obrigados a fazer algo semelhante. O fato é que de um superávit primário de R$ 126 bilhões em 2022, só com seis meses de governo Lula o resultado primário em 12 meses virou um déficit de R$ 24,3 bilhões. E a dívida pública tende a aumentar.


O Presidente Lula apresenta uma retórica bastante radical, mas tem deixado na prática que o seu Ministro da Fazenda seja mais conservador. Isso até agora rendeu bons frutos. O Brasil melhorou a sua nota ou perspectiva em mais de uma agência de rating, teve entrada de capital e valorização do real, o que ajuda na queda da inflação. O Ibovespa também cresceu bastante.
Com a presença de pessoas mais moderadas em postos chaves do governo, o cenário para o Brasil pode ser melhor do que o esperado, em meio a um mundo menos incerto, com melhores perspectivas de crescimento e com inflação mais controlada.
O nosso Cenário de Referência para 2023 e 2024 melhorou nos últimos meses, com base na expectativa de que a moderação na política econômica se mantenha, tendo em vista os ganhos obtidos até agora (notas, câmbio e Ibovespa).
Nossas projeções para as principais variáveis macroeconômicas são ainda melhores do que as do consenso de mercado, em alguns casos, bem melhores. Nesse cenário e com o panorama internacional registrando crescimento moderado e inflação controlada, esperamos que o Ibovespa continue a crescer.
Com um bom comportamento fiscal e monetário do Governo, rejeitando práticas como da Argentina, o Brasil poderá ter resultados bem melhores do que o Cenário de Referência hoje.
