Panorama econômico com Victoria Werneck, economista-chefe da Icatu.

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Já perto do final do primeiro semestre, alguns obstáculos foram superados mas temos vários desafios pela frente. Em termos de superação, devemos destacar que, ao que tudo indica, a pandemia de Covid-19 no Brasil, felizmente, perdeu fôlego. No início do ano houve um momento de muita incerteza e ansiedade sobre as perspectivas de evolução da pandemia, tendo em vista o aumento significativo de casos, decorrentes da variante Ômicron.

A onda de novos casos de Covid-19 foi muito maior do que o experimentado nas duas ondas anteriores desde que se instaurou a pandemia. Vários estados decretaram severos lockdowns e as perspectivas de crescimento da economia em 2022 pioraram de forma substancial. O gráfico abaixo, da Universidade Johns Hopkins, é particularmente ilustrativo. O que devemos apontar também é que provavelmente em função do avanço da vacinação essa terceira onda de casos trouxe menos mortes per capita.

Não é todo mundo que está vendo luz no fim do túnel com a pandemia de Covid-19. Especificamente a China, onde tudo começou, está com uma política de “Covid zero” e vem impondo vários lockdowns muito estritos em diversas regiões muito populosas do País, assim que detectam casos de Covid. As fábricas dessas regiões deixam de produzir e afetam o abastecimento de produtos internamente e nas exportações. Agora, por exemplo, tem um lockdown estrito em Shangai, que é tanto um porto como um centro financeiro importante no mundo. Essa situação trará efeitos negativos nas cadeias de suprimentos mundiais mais uma vez.

Basicamente, podemos afirmar que as consequências da pandemia de Covid-19 mundiais não acabaram, mesmo que o Brasil apareça bem na foto hoje em dia. A China é a segunda maior economia mundial e fornecedora de insumos e bens acabados importantes. Na medida em que vastas regiões do país deixem de funcionar pelos lockdowns ainda haverá interrupções nas cadeias de suprimentos mundiais. E, olhando para o futuro, a não perder de vista que na abertura da reunião anual da Organização Mundial da Saúde em Genebra, no domingo 22 de maio, o diretor-geral Tedros Adhanom Ghebreyesus alertou que “a pandemia de Covid certamente não acabou”. E disse aos governos que “abaixamos a guarda por nossa conta e risco”. Isso ainda trará muita incerteza nos próximos meses.

A INFLAÇÃO

Por conta da restrição da oferta de tantos produtos, houve um aumento significativo da inflação mundial. Afinal, a queda da demanda não foi tão grande quanto poderia ter sido, tendo em vista o aumento brutal dos gastos de governos para compensar os efeitos negativos da pandemia.

A inflação no Brasil, medida pelo IPCA, saiu totalmente do controle do intervalo de metas de inflação para 2022 – meta central de 3,50%, entre 2% e 5%. Nos doze meses até abril, o IPCA já alcançou 12,13%. Aliás, também estourou em muito a meta de 2021, que era de 3,75% e fechou em 10,06%.

Derrubar a inflação certamente é um desafio a nível mundial, mas nesse aspecto o Brasil começou a apertar a política monetária (subir a taxa de juros) antes da maioria dos países e está à frente nesse sentido.

Quem diria nas últimas décadas que a inflação na Alemanha chegaria a 7,40% e nos Estados Unidos a 8,30%? No caso dos Estados Unidos, o processo de aperto monetário começou tardiamente, mas em meio a uma economia super robusta. A taxa de desemprego está em nível mínimo histórico de 3,6% em abril deste ano. Isto é, tem grandes chances de que o Banco Central americano consiga controlar a inflação com um pouso suave, sem causar uma recessão. Não há dúvida de que o crescimento da economia sofrerá desaceleração, mas não é provável que haja contração do PIB norte-americano, o que é importante para as perspectivas de crescimento da economia mundial.

AS CONSEQUÊNCIAS DA INVASÃO RUSSA NA UCRÂNIA

Ao olharmos o primeiro semestre de 2022 vemos dois momentos muito claros: um antes da invasão russa à Ucrânia e um depois. A Ucrânia é um dos celeiros do mundo para vários produtos agrícolas e fertilizantes. A Rússia é grande fornecedora de petróleo e gás. Após o começo da guerra, que já dura mais de três meses, houve aumento mundial de vários desses preços, o que contribuiu para uma aceleração da inflação pré-existente.

As últimas projeções do FMI, feitas em abril, mostram desaceleração do crescimento da economia mundial a partir das projeções feitas em janeiro. Mas, não apresentam contração do PIB mundial, o que é uma ótima notícia. Abaixo apresentamos as comparações das projeções feitas em janeiro, antes da guerra, e em abril, após a guerra. Em todos os casos, o crescimento projetado desacelerou.

É interessante mostrar a mediana do consenso de mercado do Banco Central para 2021, no final de 2020, para uma seleção das principais variáveis macroeconômicas e mostrar o resultado final de 2021. As mudanças entre o projetado e o realizado foram realmente de chamar a atenção em todos os casos: IPCA, IGP-M, Câmbio, Selic, crescimento do PIB. O PIB (indústria, agropecuária e serviços) teve um bom desempenho em 2021, crescendo 4,62%. Já para 2022 as mudanças entre o projetado, em fins de dezembro de 2021, e apenas quatro meses depois (fins de abril) também são significativas. A boa notícia sobretudo é o câmbio se valorizando, ajudando a inflação a ceder, e o PIB com expectativa de maior crescimento.  

Fonte: Banco Central

Vejamos a evolução da produção industrial dessazonalizada, pesquisada pelo IBGE:

Em março, houve aumento da produção em relação a fevereiro, que por sua vez tinha aumentado em relação a janeiro. A verdade é que pós-pandemia a recuperação forte em V da produção industrial surpreendeu, mas a partir de janeiro de 2021 perdeu fôlego, sem no entanto cair muito abaixo de níveis pré-pandemia. Atualmente, o volume de produção industrial está muito parecido ao que era antes da eclosão da pandemia. Parte do fato que a produção industrial não está tão pujante é justamente a falta de componentes importantes nas cadeias mundiais de produção.

A nossa projeção atual de crescimento do PIB em 2022 é melhor do que o consenso de mercado, um crescimento algo superior a 1%. Não é muito, mas manterá o PIB per capita um pouquinho maior do que em 2021.

É importante destacar que, apesar de tantos dados medíocres de atividade recentemente, a taxa de desemprego não para de cair e isso deve ser comemorado. Hoje tem muito menos desempregados do que há um ano. Esse dado do IBGE inclui todas as pessoas ocupadas (com carteira assinada, sem carteira, conta própria, pró-labore etc.). Mesmo com boa evolução, ainda eram 11,9 milhões de desempregados no trimestre móvel terminado em março de 2022.

O Brasil mantém o desafio de melhorar estruturalmente as contas fiscais, mas o crescimento do PIB acima do esperado, a inflação bem maior do que a esperada e o congelamento de gastos com funcionários públicos nos três níveis de governo melhoraram significativamente as contas fiscais. O PIB crescendo e a inflação alta aumentaram a arrecadação fiscal substancialmente. E, enquanto isso, a maioria dos salários dos funcionários públicos se mantiveram estáveis, de modo que, após anos de déficits primários no setor público, a partir de 2021 houve superávits primários (soma de todas as receitas menos as despesas, exceto juros da dívida). Isso levou a uma boa diminuição da Dívida Pública como proporção do PIB.

Depois de fechar em fevereiro de 2021 em um recorde histórico de mais de 89% do PIB, caiu para 78,5% do PIB em março de 2022. Para um país emergente, o nível é ainda muito alto, mas a direção é correta e isso deixa os investidores estrangeiros com mais apetite pelo “risco Brasil”.

Gostaríamos de destacar que o brutal déficit primário de 2020 foi consequência dos gastos emergenciais necessários para segurar a população que ficou sem renda, sem o que comer por conta da pandemia, mas não foi diferente do que outros países tiveram que fazer também.

Fonte: Banco Central do Brasil

O ano de 2022 é um ano problemático porque parece que a polarização nas eleições presidenciais se cristalizou e isso traz muita incerteza e obstáculos pelo caminho. Alguma ilusão de uma terceira via menos radical parece que perdeu espaço, embora ainda haja tempo. Seria muito importante ter a certeza de que não importa quem ganhe as eleições os avanços econômicos, conseguidos nos últimos anos, não irão retroceder.

É importante olhar para América Latina e tentar se afastar o máximo possível dos erros que a maioria dos países insistem em cometer. Não lhes trouxe crescimento, bem-estar, nem inflação mais baixa.

Mas, por fim, gostaríamos de destacar que o que é mais tranquilizador, apesar de tamanha incerteza fiscal e política, é que pela primeira vez na história o País contará com um Banco Central independente por emenda constitucional, com mandato de presidente e diretores não coincidentes com a eleição do Presidente da República. Isto é, autoridades monetárias alheias ao ciclo eleitoral. Não é pouca coisa para dar credibilidade à condução da política econômica.

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